A Segunda Mostra de Culturas Religiosas da cidade teve por objetivo integrar as diferentes manifestações de fé
Casos de discriminação contra pessoas de diferentes religiões costumam ser frequentes, especialmente com religiões de matriz africana. Ponta Grossa, considerada por muitos uma cidade conservadora religiosamente, com maior parte da população cristã, tem diversos relatos de casos de intolerância religiosa, sejam elas verbalmente veladas ou físicas.
Segundo dados divulgados pelo Disque 100 – Disque Direitos Humanos, nos anos de 2022 e 2023, as violações de direitos humanos ligados à intolerância religiosa tiveram aumento de 80% no país. Dentre elas, as religiões de matriz africana costumam ser as mais afetadas, mesmo que no Brasil o Candomblé e a Umbanda estejam entre as cinco religiões mais seguidas no país. O Babalorixá, Hallison Mocelim conta que já presenciou inúmeros casos de intolerância religiosa em Ponta Grossa. Contudo acredita que a disseminação de informação para a desmistificação de determinadas religiões como o Candomblé, por exemplo, permite mais entendimento e menos preconceito. “Estamos longe de uma paz entre as religiões, mas estamos tentando. Isso já mostra que nossa fé transcende a qualquer ataque ou injúria. Nós existimos, podemos ser minoria, mas podemos fazer a diferença” afirma.
Marco Aurélio Monteiro Pereira, além de historiador e graduado em Teologia, é umbandista. Ele conta que acompanhou de perto o ato de intolerância religiosa sofrido pela mesquita em 2021, em que o local foi invadido e teve o Alcorão queimado, e pelo menos 3 ou 4 atos de apedrejamento de terreiros de umbanda da cidade. Afirma, que “a intolerância não envolve questões que são por definição religiosas, elas são muito mais sociais, econômicas, políticas e culturais. O religioso passa a ser um pretexto, nesses casos, de violência e ódio religioso”. Reforça também sobre o impacto que a interferência da religião no meio político tem, pontuando que a violência religiosa é uma das linhas auxiliares mais eficientes de um projeto que condena o Brasil a ter como futuro o passado que já teve. Pontua que em situações nas quais são criadas leis de criminalização da sociedade por influência de determinada religião, toda a população é afetada com isso, sejam minorias religiosas ou não.
O umbandista Duncan Alfredo Urban dos Santos relata que já sofreu intolerância religiosa de forma velada como, por exemplo, não poder expressar sua religião no meio familiar. Conta que muitas das pessoas que pegam uber para ir até o terreiro sofrem de intolerância, principalmente mulheres pretas. “Você vê que pessoas cristãs postam algo sobre a religião, e não são atacadas. Já se as pessoas de religiões de matriz africana postam alguma coisa já falam ‘por que você precisa mostrar?’” Duncan ressalta que acredita que esse problema poderia ser reduzido por meio de um maior letramento racial, pois com isso vem o conhecimento para as questões das religiões como Umbanda e Candomblé.
Apesar da maior parte dos casos de intolerância religiosa serem verbais, muitas vezes veladas, infelizmente situações de destruição de locais sagrados também já ocorreram na cidade. Em 2021, a Mesquita Imam Ali foi invadida. Os bandidos queimaram o Alcorão, o livro sagrado do Islã e quebraram cordões de oração
A intolerância religiosa é crime no Brasil de acordo com a Constituição Federal de 1988, pela Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei n.º 9.459, de 15 de maio de 1997. “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
URI E MOSTRA DE CULTURAS RELIGIOSAS
A URI (Iniciativa das Religiões Unidas) é uma comunidade global. Tem como intuito promover a cooperação entre as diferentes religiões, e teve seu ciclo de cooperação criado em 2023. A URI é aberta à participação de toda e qualquer tradição religiosa, inclusive incentiva a participação de todas. Atualmente, é o maior movimento inter-religioso do mundo com mais de 1300 ciclos de cooperação. Roberto Barbosa, coordenador da URI, ao falar sobre a mostra cultural realizada em Ponta Grossa, explica que o objetivo dessa iniciativa é justamente a troca de experiências, pois todos seguimos o mesmo Deus, mas por caminhos diferentes”.
Na semana de 22 a 27 de Julho, trazendo o tema “Paz e não violência”, a URI juntamente à Secretaria da Cultura de Ponta Grossa, realizou a II Mostra de Culturas Religiosas Fé e Devoção. O evento contou com programações que se estenderam até o sábado, com rodas de conversa, apresentações de dança e música, dentre outras atividades. Alguns dos temas discutidos foram a promoção da não-violência ativa, especialmente na educação, desarmamento nuclear e principalmente, a diversidade e as diferentes visões religiosas. Participaram dessa mostra representanges do Espiritismo, Evangélicos Pentecostais, Budismo, Quimbanda, Seicho-no-ie, Xamanismo, Umbanda, Islamismo, Protestantes históricos, Candomblé e do Catolicismo.
Texto: Nicolle Brustolim
Supervisão: Carlos Alberto de Souza
Arte: Nicolle Brustolim
Foto: Fernanda Matos