Cesar Lima leva uma vida normal, acorda cedo para ir ao estágio em uma loja de produtos agrícolas onde fica até o meio da tarde. À noite vai para a aula, está no primeiro ano de economia da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Chegou na cidade a pouco tempo, veio de Teixeira Soares em 2017 para estudar, os pais e os irmãos ficaram lá, mas mora na casa que pertence a eles.
Geralmente, as sexta-feira, depois da aula, muitas vezes em banheiro público tira da mochila, pincéis, sombra, rímel, batom e uma longa peruca ruiva. A partir dai surge quase como uma entidade Angel Houston. O barulho do salto alto ecoa pelo banheiro, a vestido arrasta pelo chão e sai do banheiro masculino uma mulher na sociedade. “Cesar não existe mais, ou melhor está na mochila”. Brinca Angel.
A família de Cesar não sabe da sua vida dupla. “Eu descobri a arte drag quando cheguei na cidade, mas se meus pais descobrirem que eu me visto de mulher, principalmente meu pai, eles me expulsam de casa. Como moro na casa dele, tenho que manter segredo e ter que me virar do jeito que dá. Quando eles estão aqui, quando meu pai vem me visitar tenho que esconder as pressas roupas, maquiagem, salto e peruca. As vezes, ele acha e joga fora. Dai tenho que comprar tudo de novo. Quando me pergunta de quem é digo que é de uma amiga” conta Cesar rindo.
“Ser drag vai muito além de ir por aí com peruca, maquiagem chamativa e vestido, é um ato político, pois preciso ter muita coragem para sair como o sexo oposto e se mostrar para o mundo como eu realmente sou. Não posso sair sozinho. Preciso estar em grupo, com squad, caso contrário apanhamos ou até morremos na ru”, denuncia Angel.
Em 2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) foram mortos em crimes motivados por homofobia. O número representa uma vítima a cada 19 horas no Brasil. O dado está em levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), que registrou o maior número de casos de morte relacionados à homofobia desde 1978, inicio do levantamento.
Em 2012, a Secretaria de Direitos Humanos apontou quase 10 mil denúncias de violações de direitos humanos relacionadas à população LGBT, registradas pelo governo federal. No primeiro semestre de 2017, a ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu 725 denúncias de agressão, discriminação e outros abusos contra LGBTs.
O medo das ruas é compartilhado por Milly, drag queen há dois anos. Diferente de Angel, não precisa se arrumar na rua, os pais sabem da vida artística do filho que atende pelo nome de Gabriel quando não está incorporado pela Milly. “Minha mãe me aceita de boas, me transformo em casa mesmo, acho que aceitação da família é importante para o sucesso da arte drag. É uma merda ter sua liberdade restringida por uma roupa. Claro que já tivemos que correr de carros e pessoas xingando a gente na rua, mas é o preço a se pagar por ter que viver com pessoas hipócritas. Reclama Milly
Fotos: Luiz Zak