Um dos maiores e ininterrupto festivais de teatro do Brasil foi marcado por atividades de rua
O evento chegou ao seu quinquagenário com fôlego de garoto, mostrando toda sua resiliência, sem perder a capacidade de incorporar o novo. Com isso em mente, resolveu-se focar este texto em algumas peças exibidas nos dias 11,12 e 13 de novembro.
Na sexta, dia 11/11, no palco principal do elegante Cine Teatro Ópera, tivemos a apresentação do Grupo Cia de 2 da cidade de São José dos Campos - SP. O Grupo trouxe um texto original na apresentação da peça “Leões, Vodka e um Sapato 23”, que conta a história da tragédia do Circo Vostok ocorrida no ano de 2000. Quando alguns leões de circo puxaram uma criança de 6 anos para dentro da jaua. Uma história triste que comoveu a sociedade e ocasionou mudanças na legislação sobre o uso de animais em circos.
Mesmo com uma história tão macabra, a peça se utiliza de bufões para mudar nosso olhar e encarar o fato pelo ponto de vista dos leões. Utilizando-se de uma narração não linear, iniciamos pela morte dos leões, que representados pelos atores com um figurino e maquiagens incrivelmente grotescos, mostram os leões deformados pela fome e maus tratos. E, então acompanhou-se fragmentos de suas histórias, desde a captura até o momento do fatídico evento. Como é característica dos bufões, ele nos traz um humor ácido e uma risada que deixa um gosto amargo na garganta, pois em cada piada vem a dura realidade: dor, sofrimento e fome, como é dito incansavelmente em várias vezes na peça.
“A autópsia mostrou que os animais não comiam há vários dias”.
Com a mistura entre o grotesco, uma bela iluminação e a empatia do público, a Cia de 2 encerrou sua participação neste FENATA com dois prêmios, o de Melhor Figurino e Melhor Espetáculo Adulto, conforme o Júri Popular.
Para terminar a noite, às 22 horas, no Palco B do Ópera, Telmo Farias nos brindou como “ Ânimo Festas”, do Grupo La Cascata Cia Cômica, também, de São José dos Campos - SP, com um monólogo, criado e com a atuação de Márcio Douglas. Ele que os envolve a vida do Palhaço Klaus, um bufão que vive de animar peças infantis, sendo um compilado de histórias inspiradas na realidade. Vemos as dificuldades e as mazelas que muitos palhaços enfrentam para conseguir o sustento com a sua arte. Artistas que estão sempre de sorriso no rosto e prontos para alegrar as vidas, muitas vezes têm seus medos e problemas ocultados pela maquiagem e nariz vermelho. Eles encaram diversas humilhações para poder pagar o aluguel.
Uma peça em ritmo acelerado, com brilhante trilha sonoras. Muitos efeitos de luz e fumaça, não nos deixa tempo para respirar. Arrancando gargalhadas do público, o palhaço Klaus, mesmo com sua ranzinzice, consegue cativar e ganhar a empatia dos espectadores. Com a constante pergunta, “Palhaço, você é feliz”, enveredamos pelos sentimentos de dor e frustração que acomete o bufão enquanto rimos da sua forma de encarar a vida e seu ganha-pão.
Passando então para a tarde do dia 12 de novembro, um sábado abafado, o público pode apreciar a peça “A Borboleta da Colina”, encenada no Auditório da Reitoria do UEPG, Centro. Um grupo que ainda engatinha em sua trajetória, mas que conta com uma proposta sensacional, a divulgação científica através do teatro. Contando com atores jovens e um texto autoral, entramos em uma imersão pela vida e suas mudanças, como citado na peça, a frase de Lavoisier, “Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
Apesar do potencial, a peça, que conta com bela iluminação de Bya Paixão e sonoplastia de Nivaldo Santana e Renan Guimarães, sofreu com o estado do auditório da Reitoria. Diversos problemas e limitações técnicas prejudicaram o espetáculo. Por exemplo, a falta da trilha sonora da peça em muitos momentos. Triste presenciar que o berço do festival sofra com a falta de manutenção, ocasionada pela carência de verba, destinadas a universidades públicas.
Seguindo o cronograma, no sábado, dia 12, foi a vez da apresentação da peça “Cão Chupando Manga” do grupo Teatro de Anônimo, do Rio de Janeiro-RJ. Uma peça forte, que coloca nossos sentimentos em uma espécie de gangorra, nos levando das gargalhadas às lágrimas em apenas algumas frases . Acompanhamos um artista que envelhece em meio a uma sociedade que trata a classe como cães vira-latas, em meio a relatos de insônia e do caos que repesentam os sentimentos humanos que, muitas vezes, faz aflorar o primitivo do homem. A peça leva parte da plateia para o palco e se torna ainda mais próxima da realidade de cada um. Vendo a semelhança entre as dores do personagem e as dores da sociedade. Com uma atuação surpreendente, o ator Fábio Freitas levou os prêmios de Melhor Ator, e a peça, melhor Texto Original e melhor Iluminação.
Encerrando a noite, mais uma apresentação: a ponta-grossense Michella França, do Grupo Dia de Arte, trouxe-nos um espetáculo que se resume em uma palavra, “necessário.”. Uma obra autoral nos mostra a realidade vivida por dezenas de mulheres diariamente com a violência doméstica. Uma obra pensada para ser apresentada em espaços alternativos e que possa alcançar maior número de pessoas possíveis. Intrabalhável procura conscientizar quanto ao papel da sociedade no combate à violência contra a mulher e destaca o quanto isso não é mais aceitável. Deve-se repudiar qualquer ato deste tipo..
E, para a grande noite de encerramento, 13/11, foi reservado o espaço no Fenata para o prestigiado Projeto Broadway de Curitiba, “O grande Circo Místico", peça convidada que contou com uma gigantesca produção, com dezenas de atores atuando e cantando. Trouxe-nos luz, brilho e a magia, coisas que somente o teatro pode nos proporcionar. Apesar da necessidade do conhecimento prévio sobre a história do Circo Knieps, para uma total compreensão dos elementos passados. A obra encanta por sua a beleza cênica e trilha sonora, que conta com músicas de Chico Buarque e Edu Lobo. Mas, o gran finale para a peça e para o 50º FENATA, reside na última canção. Os atores desvestem seus personagens e vem ao palco com camisetas com palavras de ordem, mostrando que ainda resistimos, mesmos em meio às turbulências de ódio e preconceito. O Teatro está vivo e resiste como um farol de liberdade e acolhimento, em que as diferenças são aceitas, a vergonha reside no fato de uma população estar passando fome e não no corpo dos atores. Na truculência, e não em ser quem é. Assim termina mais uma edição do FENATA, com o gosto de ainda estarmos aqui e ansiosos para a quinquagésima primeira edição. Viva o Teatro.
Fotos: Samarone Cardoso/ @Samaronej (Instagram)